CAPÍTULOS: 1 - Evolução Histórica, 2 - Noções de Seguridade Social, 3 - Estrutura da Seguridade Social, 4 - Regimes Previdenciários, 5 - Competência para o Julgamento das Causas, 6 - Segurados, Beneficiários e Dependentes - RGPS, 7 - Benefícios, 8 - Custeio, 9 - Súmulas
2 - Noções de Seguridade Social
2.1 -Conceito: O direito à seguridade social como conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público com a participação da sociedade atuando na área de saúde, assistência social e previdência social, é direito fundamental de segunda geração, ou seja, ligados às prestações que o Estado deve ao seu conjunto de integrantes.Com o reconhecimento dos direitos de segunda geração, o direito assume uma dimensão positiva não como forma de aceitar a intervenção do Estado na liberdade individual, mas como meio de proporcionar uma participação do bem estar social.
Com esta nova formatação de Estado, o direito à seguridade social passa a ser direito público subjetivo, pois uma vez não concedidas as prestações, o indivíduo pode requerê-las, exercitando o direito de ação. O Estado brasileiro é um Estado Social Democrático de Direito, posto que assegura direitos e garantias fundamentais. Verifica-se esta forma de Estado já no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil (2011, p. 01)
Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
O art. 3º, inc. IV da Constituição Federal/88, arrola entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estes, que aqui nos interessa:
• a construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
• a garantia do desenvolvimento nacional;
• a erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
• a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A Constituição Federal de 1988 garante o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos do art. 5º. Para Balera (2004), a garantia de igualdade prevista no art. 5º estabelece uma obrigação de o Estado proporcionar proteção suficiente para se atingir a segurança social que cada um deve ter.
Por sua vez o art. 6º arrola quais são os direitos sociais, a saber: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, à infância e a assistência os desamparados. O doutrinadorCesarino Júnior (1970) define direito social como sendo a Ciência dos princípios e leis geralmente imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum, auxiliar as pessoas físicas, dependentes do produto de seu trabalho para a subsistência própria e de suas famílias, a satisfazerem convenientemente suas necessidades vitais e ter acesso à propriedade privada. Por sua vez,Silva (2005, p. 285) conceitua direitos sociais como:
Dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida dos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito de igualdade. Valem como pressuposto do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporcional condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
Os direitos sociais consistem em clausulas pétreas implícitas na categoria de normas intangíveis relativas aos direitos fundamentais que englobam o Titulo II, capítulos I, II, III e IV da Constituição que englobam os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais, 14 os direitos de nacionalidade e os direitos políticos, não podendo ser atingidos por emenda tendentes a aboli-los.Chega-se a esta conclusão com a utilização das técnicas de interpretação extensiva, sistemática, lógica e teleológica do texto constitucional.
Uma, porque o legislador ao redigir o inc. IV, § 4º do art. 60 da Constituição disse menos do que efetivamente era do seu desejo. Ao utilizar a expressão “direitos e garantias individuais” quis, em verdade, referir-se a “direitos e garantais fundamentais” uma vez que o Título II da Constituição trata dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Outra, porque entre os direitos sociais do trabalhador temos direitos individuais (art.7º da Constituição) e coletivos (arts. 8º, 9º, 10 e 11 da Constituição). Os direitos de natureza individual são intangíveis, em face de estarem atrelados ao direito da igualdade previsto no art. 5º da Constituição. Bobbio (1996) assevera que não basta só prever direitos humanos, é necessário efetiva-los, pois uma coisa é falar dos direitos humanos, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos cada vez mais convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva, acrescentando à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas torna-se cada vez mais difícil.
As prestações de seguridade social enquanto direitos fundamentais têm as seguintes características, dentre outras: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, universalidade, inviolabilidade, interdependência e complementaridade. Segundo Almansa Pastor (Derecho de La Seguridad Social), seguridade social seria "o conjunto de regras que tendem a atuar como instrumento protetor, que garanta o bem estar material, moral e espiritual de todos os indivíduos, abolindo todo o estado de necessidade social em que possam encontrar-se". Este seria o conceito ideal de seguridade social.
Sérgio Pinto Martins conceitua seguridade social como "um conjunto de princípios, normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e assistência social".
Sérgio Pinto Martins ressalta: "a idéia essencial da Seguridade Social é dar aos indivíduos e suas famílias tranqüilidade no sentido de que, na ocorrência de uma contingência (invalidez, morte etc.), a qualidade de vida não seja significativamente diminuída, proporcionando meios para a manutenção das necessidades básicas dessas pessoas."
O Programa de Ottawa de Seguridade Social para as Américas adotado pela 8ª Conferência dos Estados da América membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT), celebrada na cidade canadense de Ottawa nos dias 12 e 13 de setembro de 1966, estabeleceu que a Seguridade Social deve ser instrumento de autêntica política social, para garantir um equilibrado desenvolvimento socioeconômico e uma distribuição equitativa da renda nacional. Em conseqüência, os programas de Seguridade Social devem ser integrados na política econômica do Estado com o fim de destinar a estes programas o máximo de recursos financeiros, compatíveis com a capacidade econômica de cada país.
Para Ferrari (1972, p. 93), “laseguridad es nada más que una economíabien organizada, es decir, organizada, no para un mercado voraz e insensato, sino para servir a un ideal superior mediante una justa y racional redistribuición de la renta nacional.”
Leite (2002) conceitua a Seguridade Social como: conjunto de medidas com as quais o Estado, agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de segurança na adversidade, de tranqüilidade quanto ao dia de amanhã.
A Constituição Federal (2011, p.202), no título VIII da Ordem Social define a Seguridade Social como sistema no art. 194 afirma que“A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. O modelo de seguridade social adotado pela Constituição Federal de 1988 é:
A - Misto: posto que adota técnicas não contributivas, saúde e assistência social, e contributivas, previdência social que utiliza a fórmula quadripartite de custeio, ou seja, é financiada pelo Estado, empregadores, trabalhadores e aposentados;
B - Universalista: posto que, possibilita que todos os integrantes da sociedade tenham acesso às prestações desde que atendam aos requisitos legais;
C - Inacabado: posto que, conquanto busque a universalidade de cobertura e atendimento determina um núcleo mínimo de proteção, conforme art. 201 da CF/88, que deve ser expandido à medida que o Estado suporte;
D - Administrativo:ao conceber uma administração descentralizada e com a participação democrática da sociedade;
E - Solidário: com aplicação do princípio da solidariedade não de forma plena, solidariedade nacional, posto que, no âmbito previdenciário, a proteção alcançará apenas o universo de beneficiários, segurados e dependentes, não abrangendo todos os integrantes
da sociedade brasileira.
2.2 - Fontes Formais
A –Constituição Federal
O nosso texto constitucional foi profícuo na matéria atinente à seguridade social, não se preocupando apenas com a questão principiológica, mas também tratando de verdadeiras minúcias, como as referentes ao teto dos benefícios previdenciários. A Constituição, ou seja, os princípios e preceitos previstos no texto constitucional são as fontes de maior hierarquia. No atual texto são estabelecidos taxativamente os eventos cobertos pela Previdência Social, limites mínimos de benefícios substitutivos de salários e até mesmo alguns benefícios em espécie.
B - Emendas à Constituição
O poder constituinte derivado não pode invadir matérias intocáveis pela própria Constituição Federal, as denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4°, CF).
C - Lei Complementar
O art. 195, § 4°, da CF, estabelece que novas fontes de custeio para a seguridade social somente poderão ser concebidas com a edição de lei complementar, que demanda quorum qualificado para sua aprovação.Há também outras previsões como, por exemplo, a regulamentação do regime de previdência privada complementar (art.202). A regulamentação das condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física para que o segurado possa fazer jus ao benefício de aposentadoria especial também deve ocorrer por força de lei complementar (art. 201, § 1°). Entretanto, o art. 15 da Emenda Constitucional n. 20 estabelece que até que seja editada a referida lei complementar a lei ordinária (no caso os arts. 57 e 58 da Lei n.8.213/91) continua em vigor. A EC n. 47/05, alterando o disposto no referido § 1° do art. 201 da CF, estabeleceu nova redação, criando outra hipótese a ser disciplinada por lei complementar: "É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos cie atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar."
D - Lei Ordinária
Excluída a esfera de atuação da lei complementar, todas as demais matérias podem ser regulamentadas por meio de lei ordinária (Leis 8.212/91 e 8.213/91).
E – Proposições Internacionais
O art. 85, A da Lei n. 8.212/91, acrescentado pela Lei n. 9.876/99, dispõe que "os tratados, convenções e outros acordos internacionais de que Estado estrangeiro ou organismo internacional e o Brasil sejam partes, e que versem sobre matéria previdenciária, serão interpretados como lei especial."
F - Medida Provisória
O Poder Executivo tem sido profícuo no uso das medidas provisórias em matéria previdenciária, gerando manifesta insegurança jurídica para a coletividade. Frise-se que com a promulgação da Emenda Constitucional n. 32, de 11.09.2001, adotou-se uma sistemática que acabou por restringir a edição de medidas provisórias, embora se mantendo incólume a questão relativa ao conceito de relevância e urgência.
G -Atos Administrativos
Decretos, portarias, ordens de serviço etc. Hoje se encontra em vigor o Decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social). Saliente-se que tais atos normativos são fontes formais na medida em que não contrariem dispositivos constitucionais ou legais. Encontra-se em vigor também a Instrução Normativa n. 118, de 14.04.05, da Diretoria Colegiada do INSS, que estabelece critérios a serem adotados pelas áreas de benefícios. No segmento 17 concernente ao custeio e arrecadação previdenciária, reporta-se à INSTRUÇÃO NORMATIVA MPS/SRP N° 3, DE 14 DE JULHO DE 2005.
2.3 – Interpretação das Normas
Interpretar é conhecer o conteúdo e extensão das normas de determinado ramo da ciência jurídica. A interpretação antecede à aplicação da norma, já que o agente somente poderá aplicá-la se entendido o seu conteúdo e abrangência.
A aplicação dos métodos tradicionais de interpretação - gramatical, teleológico, sistemático, etc. - valem para todos os ramos da ciência jurídica. Entretanto, deve-se reportar aos princípios de cada ramo para orientar a aplicação e utilização de um determinado método exegético de interpretação.
Exemplo de tal diferenciação ocorre quando analisamos a regra in dubio pro misero (interpretação mais favorável ao trabalhador), que tem incidência no direito do trabalho. Entretanto, essa regra de interpretação não pode ter aplicação na mesma amplitude no âmbito do direito previdenciário.
No caso da previdência social, ao contrário do direito do trabalho, existe uma relação envolvendo o segurado e uma entidade pública (INSS), que por sua vez se apresenta como a destinatária das contribuições de toda a coletividade e responsável pelo pagamento dos benefícios e prestação de serviços. Assim, a aplicaçãoirrestrita dessa regra poderia prejudicar a própria comunidade de segurados como um todo.
Deve-se, portanto, analisar, caso a caso, quando se deve interpretar, na dúvida, favoravelmente ao segurado ou ao INSS. O magistrado deverá estar atento, no caso concreto, a valorizar o interesse público que permeia o direito previdenciário, ora satisfazendo a pretensão do segurado, ora a manutenção da integridade do sistema em detrimento do interesse individual do segurado.
Alguns doutrinadores procuram ressaltar que as regras infraconstitucionais que se caracterizem como normas mais favoráveis para o beneficiário devem ser consideradas válidas. Exemplifica-se tal constatação com a modificação introduzida pela Lei 9.876/99, que estendeu o benefício de salário maternidade para as contribuintes individuais.
Não seria, na avaliação dos juristas Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, sustentável juridicamente defender a inconstitucionalidade da referida lei sob o fundamento de que a CF somente fez previsão deste benefício às trabalhadoras urbanas, rurais e domésticas. A norma estaria favorecendo as seguradas e também teria sido contemplada no texto legal a respectiva fonte de custeio.
Com relação ao fim social da norma, faz-se menção ao preceito contido no art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, que com mais ênfase deve ser aplicado no âmbito da legislação previdenciária, tendo em vista seus princípios norteadores e objetivos legalmente consignados. Assim,a interpretação da legislação providenciaria há que ser sempre no sentido de amparar.
Além da interpretação, existe a integração, que implica no preenchimento de lacunas existentes no ordenamento jurídico. Esse preenchimento ocorre pelo uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito (art. 4° da LICC).
No que se refere a aplicação das normas previdenciárias, tem-se como regra o princípio da territorialidade. Entretanto, a legislação de regência admite como segurado obrigatório o brasileiro ou estrangeiro, residente e domiciliado no Brasil e contratado para trabalhar no exterior para empresa brasileira, independentemente de estar amparado por outro regime previdenciário, no caso de execução do contrato. Tal situação repete para o brasileiro civil que trabalha para a União Federal no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais em que o Brasil seja membro efetivo. Nessa hipótese, excepciona-se a regra de possuir amparo por regime
previdenciário do país em que labora.
2.4 -Competência Legislativa
De acordo com a Carta de 1988, compete privativamente à União legislar sobre seguridade social (art. 22, XXIII), sendo que a lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas da seguridade social (art. 22, parágrafo único, CF).
Compete, contudo, à União, Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (art. 24, XII). Nesse caso, a União limitar-se-á a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1°).
Verifica-se uma certa confusão na delimitação desta competência legislativa, na medida em que a previdência social e saúde compreendem a seguridade social. Questiona-se: como é possível coexistira competência privativa e concorrente ao mesmo tempo?
Deve-se entender que as ações de seguridade social genericamente consideradas são regulamentadas pela União.Na área previdenciária, entretanto, é fundamental que os Estados e Municípios, partindo das normas gerais da União, venham a regulamentar os seus regimes próprios de previdência social destinados aos servidores públicos efetivos. Atualmente a norma federal geral em vigor é a Lei n. 9.717/98.
Já a normatização do Regime Geral de Previdência Social e do regime complementar são privativos da União. Isso porque os arts. 201 e 202 estabeleceram expressamente o regramento por lei federal.
No que tange à saúde, é evidente no texto constitucional a delegação aos Estados e Municípios a participação legislativa nesta área.